A forma como os diferentes grupos humanos e sociedades regulam ou controlam as condutas relacionadas com o cultivo, preparo, distribuição, comércio, consumo etc de cannabis e derivados para os diferentes fins variou bastante ao longo da história. A erva nunca foi proibida totalmente em nenhum período histórico a não ser no séc. XX, após uma intensa campanha midiática que associou seus efeitos com a criminalidade e a loucura entre os anos de 1920 e 1950.

Até o final do séc XIX e início do séc. XX as políticas públicas e lei sobre maconha ou outras drogas eram temas que diziam respeito apenas à política interna das Nações. A partir dos conflitos e disputas entre China e Inglaterra que ocorreram em meados do séc XIX, período denominado como Guerra do Ópio, foi criado um acordo entre diferentes países de que haveriam periodicamente reuniões internacionais para discutir e regulamentar a produção e o comércio internacional de drogas medicinais que também têm propriedades psicoativas. Inicialmente essas reuniões debateriam apenas as questões relacionadas com a produção e comércio do ópio e derivados, interesse motivador da criação desse espaço de debate entre as nações. Porém, com o passar dos anos, cada país passou a acrescentar seu próprio rol de preocupações e interesses nesse fórum permanente de construção de políticas públicas internacionais sobre drogas.

A primeira reunião entre diferentes países buscando a regulação e controle da produção e comércio de alguma das substâncias e plantas medicinais com propriedades psicoativas ocorreu em 1909, ficou denominada Conferência de Xangaí e ocorreu na China. Em 1912 ocorreu outro encontro, dessa vez em Haia, na Holanda, onde foi assinado um acordo no qual os países se comprometiam em criar regras e controles cada vez mais severos para diferentes plantas e substâncias. A partir daí muitos países passaram a usar esses encontros internacionais como motivo para criar leis e políticas públicas cada vez mais severas. Após vários encontros, em 1961, a cannabis foi finalmente proibida internacionalmente por um acordo entre diferentes países. Porém, muito antes disso diversos países já haviam criminalizado o cultivo, comércio e consumo da erva, a exemplo do Brasil (1932) e dos EUA (1937). Atualmente cada país têm leis e políticas específicas para lidar com cada um dos aspectos relacionados com o consumo de cannabis: recreativo, medicinal, religioso e industrial (cânhamo). Vamos ver agora os principais países e as diferentes maneiras com que eles lidam com esse tema.

EUA

A Lei Federal criminaliza desde 1937 todos os usos da cannabis. Porém, em fevereiro de 2015 uma Lei regulamentou o cultivo e exploração industrial do cânhamo (variedades genéticas com menos de 1% de THC). Além disso, desde a década de 1990 que diversos estados criaram leis estaduais e municipais que aos poucos vêm regulamentado os usos medicinais e recreativos em diferentes regiões do país. Atualmente já é possível comprar maconha legalmente em muitas cidades dos EUA, tanto para fins medicinais como para recreativo. Cada estado e cidade têm portanto leis e regras próprias com relação ao tema. Enquanto em algumas já é possível comprar maconha em lojas, noutros a simples posse da erva ainda é considerava uma infração à Lei Federal de Entorpecentes.

Uruguai

Oficialmente o Uruguai é o único país do mundo a legalizar totalmente em nível federal a cadeia produtiva da maconha para fins recreativos, o que ocorreu com a entrada em vigor da nova Lei em 2014. No entanto, na prática, a regulamentação ainda está em processo de implantação e a primeira colheita deve começar a ser vendida a partir do segundo semestre de 2016. Por enquanto só quem poderá comprar são os cidadãos uruguaios ou residentes, sendo vedado à turistas. A maconha oficialmente será vendida nas farmácias. Por enquanto a única maneira de acesso legal é se cadastrando em um dos inúmeros clubes de usuários que cultivam e distribuem entre os associados sem interesse de lucro. Segundo a nova Lei serão apenas um número restrito de produtores autorizados a cultivar e vender cannabis para fins recreativos, a preços bem baixos, para competir com o mercado ilegal. Após a implantação da regulamentação do mercado recreativo o próximo passo são os mercados para fins medicinais e industriais, que ainda está sendo debatido pelas autoridades.

Paraguai

Apesar de cultivar grande parte do que é consumido no mercado ilegal brasileiro o Paraguai continua adotando uma política proibicionista e manter a criminalização do cultivo, produção e consumo de cannabis e derivados. Segundo estudos, cerca de 60% do que é consumido no Brasil é oriundo de plantações paraguaias e mais de 90% do que é cultivado no Paraguai tem como destino o mercado brasileiro. No Paraguai, segundo a Lei 1340/88, a simples posse de maconha pode render pena de 5 a 15 anos de reclusão, enquanto o crime de cultivo ou comercialização pode gerar pena de reclusão de 10 a 20 anos.

Argentina

Em 2009 a Suprema Corte julgou como incostitucional a acusação de crime pela conduta de posse para uso pessoa, num caso específico que envolvia uma pequena quantidade de maconha. Desde então a imprensa em diferentes países, incluindo o Brasil, noticiou erroneamente que a Argentina havia legalizado ou descriminalizado o uso de drogas, quando na verdade ainda está mantido o que vale na Lei 23.737, que prevê pena de 1 a 6 anos para a posse de drogas para uso pessoal. É claro que uma decisão na Suprema Corte ajuda muito a orientar a postura dos operadores da Lei e dos Juízes e Promotores, mas é algo muito distante de uma regulamentação ou legalização. A Argentina mantém uma política proibicionista e criminaliza o cultivo e porte para uso pessoal, ainda que haja muito mais abertura cultural e tolerância para com os consumidores da erva.

Chile

A Lei 20.000 que entrou em vigor em 2005 descriminalizou o uso de drogas e na prática tornou as condutas relacionadas com o consumo pessoal legais em todo país. Desde então os usos medicinais vêm sendo regulamentados e o cultivo pessoal ou coletivo para esse fim já é legal e exige apenas uma licença do Serviço Agrícola do Chile. Entre 2014 e 2015 o país passou por novo processo de regulamentação e atualmente já é permitido o cultivo doméstico para fins recreativos também.  

Portugal

Portugal descriminalizou a posse para consumo pessoal de todas as drogas em 2001, mas nunca cogitou a possibilidade de legalizar ou regulamentar o cultivo, produção, comércio ou consumo. A política de descriminalização das drogas teve impacto direto na diminuição da violência e na melhoria da qualidade de vida dos usuários que têm problemas com drogas.

Índia

Os usos religiosos da cannabis e os usos tradicionais para fins medicinais nunca foram considerados ilegais na Índia, o que faz com que até hoje o país seja um dos que têm a legislação mais tolerante com relação aos usos da erva em todo continente asiático. Apesar dessa licitude dos usos religiosos assim as praticas de cultivo, produção, comércio e uso para fins recreativos é considerado ilegal, ainda que seja muito tolerado socialmente.

Holanda

Por lei o consumo de maconha e outras drogas não é considerado crime. Mas não há qualquer tipo de Lei ou regulamentação dizendo como serão as regras para cultivo, produção, distribuição etc. No caso da maconha, desde a década de 1970 foram se estabelecendo acordos entre as autoridades policiais, as justiças locais e outras autoridades administrativas de algumas cidades holandesas e desenvolveram o sistema conhecido como “Coffee Shops”, que vendem pequenas quantidade de maconha e haxixe para pessoas maiores de 18 anos. As regras para os “coffee shops” variaram de acordo com o período histórico, os partidos no poder, economia, dentre diversos fatores, mas no geral eles seguem 3 regras básicas: 1) só vendem para maiores de 18 anos no máximo 5 gramas por dia; 2) Só vendem maconha ou haxixe, nenhum outro tipo de drogas, atualmente nem tabaco é permitido; 3) Não podem causar qualquer tipo de problema ou distúrbio à vizinhança. Atualmente também eles respeitam uma distância mínima entre os estabelecimentos e escolas, que varia de acordo com o município.

Espanha

A Espanha nunca criminalizou as condutas relacionadas com o consumo pessoal, apenas aquelas relacionadas com o cultivo, produção e distribuição com interesse comercial. Com base na legalidade das condutas relacionadas com o uso na esfera privada os ativistas espanhóis na década de 1990 começaram a se organizar em associações de usuários, clubes de consumidores e coletivos de cultivadores. Desde então diversas batalhas judiciais têm sido travadas, muitas delas com êxito, o que tem consolidado um cenário no qual a maconha ainda é ilegal, já que não está previsto em Lei nem regulamentado modos para cultivar, produzir ou distribuir para fins recreativos. Porém na prática há inúmeras instituições cultivando, produzindo e distribuindo cannabis e derivados sem fins lucrativos, aproveitando a brecha da lei e os precedentes jurídicos.

Brasil

Segundo a Lei 11.343, em vigor desde outubro de 2006, é crime condutas relacionadas tanto com o consumo, quanto com o comércio ou produção de drogas para fins de lucro. No entanto, por Lei as condutas relacionadas com o consumo não têm pena de reclusão prevista em hipotese alguma, mesmo nos casos de cultivo ou produção para uso pessoal. Porém, na prática, a maneira como tem se dado a aplicabilidade da Lei tem variado de acordo com as condições sócio-econômicas dos sujeitos envolvidos, da sua cor, do bairro no qual ocorreu o flagrante e inúmeras condições que variam de caso a caso, mas que sempre refletirão as desigualdades e injustiças do nosso país. Na pratica temos vistos pessoas com pequenas quantidades sendo presas e processadas sob acusação de tráfico e outras, com quantidades tão grandes quanto meia tonelada de pasta base num helicóptero, não responderem nenhum processo. Com relação ao uso medicinal a Lei 11.343 prevê que a União pode autorizar todos os usos para fins medicinais e científicos, porém, na prática pouco tem avançado no sentido de regulamentar essa matéria e de fato proporcionar o florescimento dos usos medicinais no país. Quase a totalidade dos pacientes têm tido que importar a altos custos toda medicação que têm utilizado por causa do cenário restritivo encontrado no país

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