Na última sexta (23/07), começaram as Olimpíadas de Tóquio. Uma das maiores novidades deste evento é a retirada do CBD das substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidoping.
Apesar da cannabis medicinal estar ganhando espaço mundialmente – inclusive no Japão – o uso recreativo ainda enfrenta fortes restrições. O THC – responsável pelos efeitos psicoativos da cannabis – permanece proibido.
Esse panorama reflete bem a política vigente em relação à cannabis no país que está sediando os Jogos: o CBD tem sido encorajado por autoridades japonesas da área da saúde, mas existe uma forte repressão aos usos recreativos.
Podemos dizer que a política anti-cannabis e o estigma que existe no Japão lembram bastante a posição do Brasil em relação à planta. Aqui, vemos a cannabis medicinal e industrial avançar, mas a repressão e pré-conceitos quanto ao uso adulto persistem.
Um dos eventos pró-legalização mais conhecidos aqui no Brasil é a Marcha da Maconha, que acontece anualmente em defesa da legalização da planta. Mas, e do outro lado do mundo, você já parou para pensar como é a Marcha da Maconha em cidades do Japão?
Sim, a Marcha também acontece por lá e, em entrevista, Marcela Ikeda nos conta sua experiência na Marcha da Maconha de Tóquio.
Marcela tem descendência japonesa e morou no Japão por 20 anos, entre idas e vindas. Atualmente mora no Uruguai, está à frente de projetos como o Larica Uruguay e Asia – The Lab (para citar apenas alguns) e também é professora do curso Culinária Canábica, do Ganja Talks University.
Durante o bate-papo, Marcela nos contou como foi sua primeira experiência com maconha, que aconteceu no Japão, e como foi participar da Marcha da Maconha de Tóquio, em 2012.

”Meu primeiro contato com a cannabis foi no Japão. Mas lá não havia muita informação sobre, então eu não sabia nada sobre efeitos ou até mesmo como era uma planta de maconha. Até que um dia, na casa de um amigo, ele mostrou uma planta que estava cultivando dentro de um armário, quando olhei, nem sabia que aquilo era cannabis.
A primeira vez que consumi foi em uma Marcha da Maconha em Tóquio, em 2014, havia um foodtruck com CBD, acho que era óleo de CBD, e tinha uma placa com os dizeres ”Conheça o CBD” e experimentei.
Nessa minha experiência na Marcha, confesso que não foram os efeitos do canabidiol que me chamaram a atenção, mas sim as potencialidades que a cannabis tem e a força do movimento canabista. Ao mesmo tempo que não havia muita informação sobre essa planta, tinham muitas pessoas a favor, mas também contrárias.
No início da Marcha, havia só umas 18 pessoas reunidas. Quando começamos a andar, começou a surgir mais gente: tanto pessoas militando pela cannabis, quanto pessoas de movimentos contrários (anti-canabistas e até mesmo anti-imigrantes).
Comecei a me dar conta da força da mobilização em torno dessa planta, que envolve muitas esferas.
Não demorou até a polícia chegar, mas só para manter a ordem, a mídia também cobriu todo o evento. Apesar da repressão que existe no país sobre os usos da maconha – principalmente – recreativo, a Marcha não foi interrompida, na verdade foi ganhando força.
No início éramos 18 pessoas, depois 20, depois 100… Quando chegamos ao bairro de Shibuya, começou a tocar Bob Marley e entendi como a cultura canábica é abrangente e, apesar dos preconceitos em torno da planta, existe uma comunidade mundial a favor da maconha.
Também fui entendendo a importância do movimento em prol da cannabis e de atos sociais como a Marcha da Maconha, que busca, sobretudo, levar informação e desestigmatizar os usos da planta.
Apesar dos avanços no campo medicinal, a planta ainda é vista com muito preconceito no Japão. Com a minha experiência na Marcha da Maconha percebi isso: a procura pela cannabis é grande, mas a repressão também é grande.
Foi só quando vim para o Uruguai, onde a cannabis já era regulamentada, que conectei todos os pontos e entendi, de fato, a real dimensão e benefícios da legalização da cannabis, principalmente como isso poderia favorecer a população do Japão.”

Atualmente, o Japão possui uma política anti-cannabis bastante restrita. Apenas o cultivo – sob licença do governo – é legal no país. A posse, venda, processamento, exportação e importação da flor, folhas e sementes são ilegais sob a Lei de Controle da Cannabis.
Tal Lei prevê sanções que podem ir de 5 anos (para posse) a 10 anos de sentença (para cultivo e venda, por exemplo), bem como multas altíssimas.
Desde 2016, o governo tem permitido o uso de CBD. Mas os produtos com esse canabinóide não podem conter THC e passam por controles rígidos.
O avanço do uso medicinal em um país onde a cannabis é bastante reprimida já representa uma evolução. Esperamos que, em breve, mais e mais países possam desfrutar dos benefícios dessa planta.